quarta-feira, 6 de maio de 2009

E' IMPORTANTE PENSAR (E ESTUDAR !) A REABILITAÇÃO

Responsável científico pelos cursos do IHRU de reabilitação de edifícios para arquitectos e engenheiros e por importantes intervenções e estudos realizados ao serviço da ex-DGEMN (Bugio, Forte de Sacavém, Forte da Ericeira, Forte de S. Julião da Barra, Terreiro do Paço, etc), Bessa Pinto, ex-Chefe da Divisão da Construção da DREL, foi entrevistado pelo "Causas Comuns", do IHRU.
Dada a oportunidade e o manifesto interesse das questões suscitadas - numa altura em que se fazem obras sem projecto e se programam intervenções sem suporte icnográfico e histórico dos edifícios -, transcrevemos integralmente a entrevista de Sofia Velez, com fotos "EX-DGEMN".

O Curso sobre Reabilitação de Edifícios tem menos de um ano, mas já vai na segunda edição.Qual é a necessidade de uma acção de formação deste tipo?
Até há poucos anos – 10/15 anos - ninguém pensava na reabilitação. Havia um organismo do Estado (Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais) que, por força da sua actividade, era obrigado a pensar nisso. Mas, de uma maneira geral, as próprias faculdades de engenharia e de arquitectura pensavam basicamente em edifícios novos até porque há 20 anos havia um défice de habitação.Em 1990 falava-se que havia um défice de um milhão de casas. Hoje há excesso. Face à construção que se veio a fazer nos últimos 20 anos, como é evidente, hoje não convém fazer mais casas novas.É importante pensar na reabilitação. O primeiro curso, em 2008, teve muito sucesso e por isso concretizámos recentemente o segundo curso.

Quem são os destinatários do curso?
Os cursos dirigem-se a arquitectos e engenheiros. Uma das críticas que se fez ao primeiro curso é que foi dada muita vertente social.Mas, de facto, o objectivo dos cursos é iminentemente físico.Isto é, a reabilitação física de edifícios, da estrutura, dos materiais, dos elementos de construção. Nessa perspectiva dirige-se a técnicos, a pessoas ligadas à construção.

Quando se reabilita um edifício, o que se deve ter primeiro em conta?
Em primeiro lugar é preciso conhecer o edifício. Em segundo lugar é preciso conhecer as técnicas e o processo dos materiais que fizeram esse edifício. Porque não podemos pensar na reabilitação de um edifício de betão armado (destes que se fizeram nos últimos anos) da mesma forma que pensamos na reabilitação de um edifício do século XVII ou XIX. Têm concepções, materiais e estruturas completamente diferentes. Portanto, por um lado é preciso conhecer o edifício e por outro lado é preciso conhecer também as técnicas que estiveram na origem desse edifício.Basicamente, uma das vertentes deste curso, ainda que de forma muito resumida, é passar em revista as diversas épocas construtivas dos nossos edifícios. Em resumo, são precisas estas duas coisas: saber e conhecer.

O levantamento da história de um edifício é de fácil acesso?
Depende. Temos em Sacavém um arquivo com milhares de registos de desenhos de edifícios antigos.Se tivermos a sorte de os registos dos edifícios estarem em Sacavém ou de, eventualmente, estarem na câmara e sem grandes adulterações, é fácil. De outra forma, é preciso fazer um levantamento de todo o edifício, do desenho, dos materiais e depois partir para a reabilitação.

Quando os edifícios chegam a um estado extremo de degradação compensa reabilitar em vez de demolir?
É uma questão difícil. A minha opinião pessoal é a de que muitos dos prédios que temos em Lisboa e noutras cidades situam-se, basicamente, no centro, e têm centenas de anos. Hoje construímos com um horizonte de 50/60 anos. Quer dizer que às vezes, se estivermos a pensar reabilitar edifícios dos anos 30/40 em betão armado, que está muito degradado, poderá fazer mais sentido demolir. No caso dos edifícios antigos com construções tradicionais, a maior parte das vezes pode fazer mais sentido recuperar. Porque está mais do que provado que os materiais antigos duram muito mais do que o betão. Na altura em que surgiu o betão armado pensava-se que era um material eterno. Até se dizia que era um material amigo dos engenheiros. Com o evoluir dos anos chegou-se à conclusão de que não era assim, pelo contrário. É um material muito degradável e com um limite de duração muito limitado.O que quer dizer que, passados alguns anos, as estruturas de betão precisam de ser reabilitadas e vão continuar a precisar de ser. Essa questão da demolição pode-sepôr mais nos edifícios recentes - com 30/40 anos – do que mais antigos.

Em termos de custos o que é que sai mais económico ao Estado?
Em termos de custos imediatos, a reabilitação bem feita pode sair mais cara do que construir um edifício novo. Mas no caso concreto, por exemplo, dos centros históricos, essa reabilitação pode trazer um retorno sob o ponto de vista do turismo. Se tivermos os centros históricos preservados, o turismo cultural aflui com muito mais facilidade.À partida, apesar dos custos envolvidos poderem ser maiores do que a construção nova, poderão ser atenuados com a questão do turismo. Não faz sentido em Lisboa estar a demolir os edifícios dos centros históricos para construir de novo. No caso dos centros históricos há outros condicionalismos que são a questão dos estacionamentos, da falta de mobilidade das pessoas e da própria concentração dos edifícios que condicionam alguns níveis de conforto que temos actualmente.Pessoalmente acho que devem ser reabilitados porque também é a preservação dos centros históricos que está em causa.

A nível de reabilitação urbana, ainda há muito para fazer?
Há muitíssimo a fazer. Estamos a começar. A generalidade dos países europeus, em termos de reabilitação, gasta entre 20 a 50% na reabilitação relativamente à obra nova.Nós cá estamos a níveis que devem andar a 10%, talvez menos. O que significa que estamos no início.

Daí também a 2ª edição deste curso?

Sim, também por isso. Mas também pelo facto de na primeira edição ter surgido uma afluência muito grande a que não conseguimos dar resposta. A partir daí tratámos logo de fazer esta segunda edição. Isto também manifesta a apetência da sociedade para frequentar este tipo de curso porque percebeu que é o que tem que ser feito no futuro, não há outra hipótese.

Quais são as temáticas destes cursos?

Nesta 2ª edição, os participantes ouviram falar, entre outros temas, dos problemas das humidades (a humidade é uma das causas das principais patologias dos edifícios antigos); de pedras; de madeiras (era dos elementos estruturais para fazer os pavimentos e coberturas); de betão (os primeiros edifícios de betão estão agora a dar grandes sintomas mais que evidentes de deterioração); de estruturas antigas; de acessibilidades. Os participantes ouviram também falar dos programas que existem no IHRU para apoio à reabilitação; dos custos da reabilitação; de revestimentos e de energia. Hoje em dia há regulamentação que exige uma certificação energética em todos os edifícios novos. Vai revolucionar, de certa forma, também a construção. Houve, ainda, uma sessão dedicada à manutenção e conservação de edifícios antigos e edifícios de valor histórico.Este curso acabou com um visita ao forte de Sacavém para se conhecerem todos os arquivos que eram da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais.Sem esquecer a apresentação do SIPA (Serviço de Intervenção do Património), que aqui temos, e que se dedica ao levantamento, ao diagnóstico e ao registo, ao inventário, de todo o património, seja classificado, seja não classificado.


Quando se fala de acessibilidades, como é que se consegue reabilitar um edifício antigo e tê-las em conta?
É muito difícil. Há duas questões. Se o edifício for património classificado, está isento. Não faz sentido estar a fazer feridas num edifício classificado para resolver os problemas da acessibilidade porque isso vai prejudicar gravemente a autenticidade, antiguidade e memória. Relativamente aos edifícios que não são classificados, isso tem que ser gerido. É muito difícil, eu sei por experiência própria, mas tem que ser.É um custo que os proprietários têm que suportar.

Os formadores não são apenas do IHRU?
Neste curso tivemos docentes convidados do Instituto Superior Técnico, do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, da Universidade Lusófona, da Associação Portuguesa de Deficientes e da ADENE – Agência para a Energia.

Na área da reabilitação, o Estado concorre a fundos europeus?
Concorre. O Estado está também a aproveitar a embalagem da União Europeia para apostar nesta área da reabilitação.

Neste curso, além de coordenar a parte científica, o engenheiro Bessa Pinto foi responsável por dois módulos. De que falou?
Falei das humidades e dos revestimentos. Sistematizei os vários tipos de humidades que podem aparecer num edifício, dando alguns exemplos desses tipos de humidades e das formas expeditas de achar as causas das humidades. Para resolver um problema temos de saber a causa. E depois encontrar um conjunto de remendos em função de cada causa. Na questão dos revestimentos, dei como exemplo um caso que acompanhei.Uma série de intervenções que fiz no forte de São Julião da barra. O forte é um laboratório natural porque faz um arco em cima do mar. A acção do mar para os materiais é péssima. Falámos de revestimentos de exteriores em situação de grande agressividade do ambiente.

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