sexta-feira, 15 de abril de 2016

SER AMIGO É UM POSTO

Na semana em que uns saem por dizer, outros são notícia por fazer. Fazer e, segundo dizem até agora, por fazer à borla, embora da intervenção na TAP tenha resultado a reversão de parte da privatização e a tentativa de entrada de um grupo chinês da órbita do universo empresarial do escritório do negociador para o capital dos novos donos da transportadora. 
É tão clara a confusão entre política e negócios como a falta de vergonha na cara do PSD em falar sobre o tema, depois ter viabilizado no passado recente as intervenções do negociador do anterior regime, prof. António Borges, ou a contratação dos britânicos da Perella Weinberg Partners para as privatizações da REN, da EDP e da Galp, por amizade do representante da empresa em Portugal ao ministro das Finanças Vítor Gaspar. Acresce que no caso do setor energético, a Perella nem sequer tinha historial relevante de intervenção em processos similares. A amizade, depois de deposta a antiguidade, parece querer assumir o lugar de posto. Ser amigo é um posto.
É tão claro o incómodo da esquerda como a contestação à intervenção de alguém com longa experiência negocial e de intervenção em processos do Estado, por exemplo no SIRESP ou na aquisição dos helicópteros Kamov. A esquerda embatucou e só num momento posterior é que esboçou uma reação de geometria variável. Houve demasiada opacidade nos processos de privatização do anterior governo e um deliberado atraso na definição do elenco dos ativos estratégicos nacionais a salvaguardar, que acabaram por não incluir a água. Era bom que o alegado novo tempo trouxesse mais transparência e mais escrutínio popular.
O que é mesmo claro é que não há opacidade má de direita e opacidade boa de esquerda. Há falta de transparência, de rigor na gestão da coisa pública, e a expetativa de que os portugueses possam ser tomados por parvos, pro bono ou por 2 mil euros brutos. Tudo o resto é como se tivéssemos uma manada de elefantes numa loja de porcelanas.
Temos paquidermes na loja quando, para disfarçar a falta de recursos financeiros para acorrer a tantas solicitações de reversões, de reivindicações e afins, a solução é recorrer a iniciativas fraturantes que distraiam os cidadãos, alegadamente para combater injustiças, desigualdades ou discriminações. O exercício legislativo do cobertor aconchega as agendas políticas de alguns, mas destrói o património de confiança e a relação institucional do PS com alguns setores da sociedade, sendo os militares o exemplo mais óbvio. A manta de retalhos é cada vez mais evidente e o descontentamento também. Tal como não há almoços grátis, o lustro dado a alguns egos tem um custo para a coesão social e para o País.
Temos elefantes na loja quando o critério para o que dizem publicamente os titulares de cargos políticos eleitos em nome do PS varia em função do grau de proximidade e de amizade ao líder. Se fores próximo, podes comparar um dirigente partidário a Hitler, apelidar de vómito um líder ou colocar o Presidente da República na rota do salazarismo e do nazismo. Se fores distante, nem a verbalização metafórica de um banano é admitida. O primeiro-ministro definiu um novo patamar de referência para futuro. Certamente, tudo será diferente, transparente e sem ziguezagues em função da salvaguarda da manutenção do poder pessoal.
Entre tentativas de marcação de agenda política, medidas tomadas com imaturidade e ensaios de divergência entre os partidos que sustentam o governo começam a proliferar demasiados agentes sociais de trombas, uns porque não foi cumprida a esperança que tinha sido gerada, outros porque o que é concretizado é feito com confrangedora ligeireza.
É como se o informalismo, ao invés de ser um instrumento de proximidade com as pessoas, partilhado pelo governo e pela Presidência da República, fosse um fim em si mesmo, sem ter em conta as existências, as expetativas e as consequências. A certa altura vai gerar mais problemas do que soluções.
O problema é que, apesar do anunciado tempo novo, a realidade interpela-nos com a força de uma trombada de elefante: o crédito às empresas reduz pelo segundo mês consecutivo, o crédito malparado voltou a subir e o desemprego também. E para esses não há “pro bonos” que nos valham.O problema é que, apesar do anunciado tempo novo, a realidade interpela-nos com a força de uma trombada de elefante: o crédito às empresas reduz pelo segundo mês consecutivo, o crédito malparado voltou a subir e o desemprego também. E para esses não há “pro bonos” que nos valham

(transcrição parcial do artigo de António Galamba no jornal "i" de ontem)

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